quinta-feira, março 08, 2007

3. Observatório visual da imprensa

Comentar notícias e imagens saídas em jornais ou em sites dos mass media, de interesse para a Educação Artística.

Fui entrevistado pelo Jornal de Notícias no Sábado passado, a propósito dos 50 anos da RTP, que se comemoraram ontem, dia 7 de Março de 2007. Esta é a notícia que saíu ontem no JN.
Como se analisaria esta imagem ? Será que a televisão é uma arte?
O Harold Garfinkel não vos diz nada? Analisámos uma imagem parecida na aula sobre este senhor...













E este é o texto que escrevi simultaneamente à entrevista:

A influência da RTP na sociedade Portuguesa e vice-versa: alguns apontamentos.


1. O passado

A RTP constituíu-se em 15 Dezembro de 1955, e iniciou emissões experimentais na Feira Popular em 1956. Porém, só em 7 de Março de 1957 começou a difundir regularmente, e em meados dos anos 60 já cobria a quase totalidade do País.

Nesse momento, grandes transformações sacudiam a sociedade Portuguesa. No entanto, a televisão estatal ignorava, olimpicamente, algumas manchetes promissoras da época, como as revoltas da juventude nas sociedes de consumo, as questões ambientais ou, de um modo geral, as profundas mudanças políticas e sócio-culturais. Nesse sentido, a RTP caracterizou-se por um défice ou pela manipulação da informação que exibia (como as ‘Conversas em Família’ , malgrado tentativas em contrário por parte de alguns dos seus mais brilhantes profissionais.

Em termos comunicativos, nos primeiros anos da RTP, diversos fenómenos de imaturidade televisiva marcavam, compreensivelmente, o quodidano Português. De facto, todas as novas artes, à falta de um estilo próprio, começam por imitar as precedentes. Também no seu início, a RTP, entre outras práticas de empréstimo, colheu a herança directa da rádio, que ainda se mantém no seu próprio nome. Por exemplo, o primeiro concurso televisivo, apresentado por Artur Agostinho em 1957, acusa esse modo palavroso do comunicar radiofónico, que alcançava o seu auge no relato futebolístico, e revelava-se como um genuíno antecessor dos actuais talk-shows. Um exemplo dessa era de crescimento comunicativo, mas também de dedicação e heroísmo por parte da produção e da realização televisivas, era a famosa mensagem ‘A emissão segue dentro de momentos’.

Neste contexto, alguns opinion makers ou communication gatekeepers fizeram a diferença na RTP, como Vitorino Nemésio, Sousa Veloso, Hermano Saraiva, Fernando Pessa, Júlio Isidro, Carlos Cruz, Raúl Solnado, ou mais recentemente, Marcelo Rebelo de Sousa e Fátima Ferreira .

Do outro lado do écran, o público Português, nos primeiros tempos do televisionamento, com muita frequência via a TV em grupo, em casa de amigos, porque nem toda a gente tinha um aparelho receptor. Por outro lado, a telenovela ‘Gabriela’, no final dos anos 70, fez parar o País repetidas vezes, concorrendo directamente com os jogos de futebol. Para além disso, nos anos 90 emergem os canais privados, o que motivou a adesão de novos segmentos de público para audiências diversificadas.

Entretanto, os concursos, as reportagens em directo e outros programas constituíram alguns dos primeiros esboços da participação do público no fenómeno televisivo. O espectador, de início conotado com um papel meramente passivo, uma espécie de ‘vegetal’ dos mass media, foi paulatinamente afirmando-se como um interventor consciente. Por outras palavras, de leitor passou a escritor da comunicação electrónica global. Se, até Abril de 1974, essa mudança de papéis se mostrou obviamente timida, hoje, devido à captação de programas de televisão no computador ou com o visionamento de programas nos telemóveis a partir da RTP mobile, a cena da comunicação mudou irreversivelmente.


2. O presente.

Na verdade, actualmente, na era da Web 2, do Google e do You Tube, depois de ler a informação em múltiplos dispositivos multimédia, o cidadão comum e anónimo pode produzir, cada vez mais facilmente os seus próprios conteúdos, sem censura e com custos de produção baixíssimos. Ou seja, a tomada de vistas realizada com a câmara de baixa resolução do telemóvel, do PDA ou do portátil, pode ser colocada imediatamente na Internet, numa web page ou num blogue, e ser difundida sem demoras nas sociedades Portuguesa e planetária, algumas delas adquirindo a noticiabilidade. Dito de outro modo, a comunicação social funciona hoje não só em tempo real, mas principalmente num espaço descentralizado. Existe hoje uma espécie de broadcasting desterritorializado, isto é, ocorre em múltiplos territórios de emissão, um dos quais é precisamente o espaço público microscópico de múltiplos cidadãos ordinários.

Em Portugal, num País manifestando uma das maiores taxas de posse de telemóvel, este fenómeno também não deixa de ser particularmente visível.
De que modo este processo afecta o jornalismo televisivo, em partucular o da RTP, e o seu público? Urge reflectir sobre isto de modo diferente, por exemplo de um modo cada vez mais visual, para acompanhar o modus operandis do jornalismo audiovisual mais experimental e inovador.

Por exemplo, o jornalismo de investigação e, nas áreas académicas, a História, a Antropologia e a Sociologia Visuais da sociedade Portuguesa, ainda a construir, poderão apoiar-se, mais profundamente, em fontes de informação como, entre outros, o canal RTP Memória. Este canal apresenta regularmente snapshots do passado sócio-comunicativo do nosso País, o que provoca pelo menos dois efeitos culturais importantes:

Em primeiro lugar, funciona como um arquivo ou memória do saber e do poder no campo da comunicação de massa nacional. Assim sendo, a comunicação social aparece mais legitimada, na medida em que possui e exibe uma genalogia tornada, deste modo, respeitável.

Em segundo lugar, esta fonte desvela-se enquanto artefacto cultural privilegiado da comunicação social em Portugal, já que fornece utensílios para a desconstrução e reconstrução, igualmente pelo cidadão comum, do passado e do presente sociais e audio-visuais do nosso País. No fundo, estes canais de referência da informação constituem-se como dispositivos preciosos para a televisão reflexiva. Isto significa que, ao expôr em segunda mão o quotidiano audio-visual do Portugueses, permitem analisá-lo com a distanciação do presente, no mesmo acto que se testemunha, visualmente, o passado.

Pedro Andrade
Investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Professor na Faculdade de Belas Artes da Universidades de Lisboa e

3 de Março de 2007

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