Mazurkas de Olhos Fechados

Num passo de dança voei, de olhos fechados, através de milhas e milhas sem fim de um universo tantas e tantas vezes já explorado. Universo povoado pelos meus fantasmas, obviamente. O cavalo que me coube em sortes era cego de um olho e tinha cataratas no outro, por isso, mal fechei os olhos para descansar um pouco, dei por mim aos rebolões na areia escaldante, mas, macia daquela duna imensa no meio do meu próprio deserto, deserto lui même. Talvez por causa do sol que já me fritava os miolos comecei a ouvir ao longe o ranger selvático, não de dentes, mas de tamboretes, ou seriam dentes a bater castanholas? Não sei! Não me perguntem porque não sei! Como cavalo louco, ainda cego, levantei-me, sacudi a areia do cabelo e das orelhas e percebi que ali, na esquina, um velho realejo junto a um velho de violino descordado ao ombro e uma vergasta a servir de arco tocavam velhas mazurkas. Peguei-te galante na mão gélida e ensaiámos um primeiro passo. Tinhas um pequeníssimo tremor no queixo, sorri para os meus botões.Um segundo passo e puxei-te mais para junto do meu peito. Um terceiro passo e podia sentir o teu palpitar. Outros passos mais e já o nosso sangue quente se misturava, atraindo os abutres que do alto dos penhascos vizinhos espreitam arfando, como tu e eu arfávamos naquela dança inebriante. Eu, tu, os abutres, o cavalo cego e louco, o rufar ao longe dos tambores... tu... tu... tu... turu... turu... tururu... tururu... era o despertador... acordei meio estremunhado, todo embrulhado no meio do edredão todo emaranhado, os pés pela cabeça... com um olho aberto e outro fechado, debruçado sobre a cama, vi no meio do tapete um pequenino monte de areia...