quarta-feira, março 12, 2008

Desculpem qualquer coisinha!!!!

Eis a melhor estação para lançar ao solo a pequena sementita desta planta rasteira que dá pelo nome de “Será que?”, também conhecida como “Dúvida”. Este solo tão fértil e tão propício ao florescimento da “Dúvida”resulta da conjuntura económica, política e social em que vivemos neste nosso planeta que nos serve de casa. E a ordem da conjuntura é mesmo esta: económica, política e social. É o poder económico que, verdadeiramente, nos governa, submerge e, paternalmente, sustenta, condiciona e legisla nas chamadas democracias representativas.
A Hidra capitalista, numa interminável auto-replicação, já não tem corpo, já não tem face e, dificilmente, tem um nome que possamos nomear, ou apontar, ou pedir explicações: “somos todos – não é ninguém”. O poder económico não se sujeitou a qualquer escrutínio e, no entanto, sublinha cada tomada de decisão política, permitindo a perpetuação do sistema político. Ao fornecer o alimento fundamental – capital, este poder exige, em contrapartida, a aplicação da velha fórmula “dividir para reinar”, através da reprodução das assimetrias sociais, cultivadas, à força, no alfobre que dá pelo nome de educação.
O sistema de ensino, urdido no conceito da chamada “educação de massas”, mais não faz que manter entorpecidos os diversos actores presentes no processo – pais, professores, alunos. Tal entorpecimento encontra eco, fundamentalmente, na ausência de exploração de três tipos essenciais de competências sólidas: no domínio da afectividade, no domínio da criatividade e no domínio do sentido crítico. Só com o desenvolvimento do potencial inscrito nestes domínios é possível alcançar a plenitude da nossa condição como seres humanos.
A escola não ensina a lidar com as emoções, pois continua a pensar a sua causa motora no racionalismo seiscentista. E, no entanto, é através da emoção que encontramos a significação que nos permite seleccionar a informação do mundo que percepcionamos, conduzindo-nos ao conhecimento. É, também, pela emoção que podemos gerir a interacção com o outro, nesta teia gregária que nos comporta, na ânsia de encontrar no outro o reflexo a que nos ancoramos e sufraga o nosso juízo crítico.
Se houvesse uma escola, algures no Paleolítico, os pedagogos de então, trata-riam de transmitir aos seus pupilos os mais recentes conhecimentos para melhor caçar bisontes – precavendo a sobrevivência. A melhor forma de ensinar/ aprender a “caçar bisontes” e poder sobreviver, nos dias que correm, é, quiçá, através do desenvolvimento de competências que nos ajudem a resolver os problemas novos, que em catadupa nos assaltam num mundo em constante, apressada e complexificada mudança.
Não podemos deixar de concordar com Alvin Toffler que há alguns anos afirmava, ao observar o percurso político europeu: “a estratégia implícita dos vossos governos ou mesmo da burocracia em Bruxelas continua a ser esta: alimentar a pri-meira vaga, ou não tenha o 'lobby' da agricultura um peso enorme; apoiar a segunda vaga, de modo que empresas que não são competitivas sobrevivam; e ignorar, em lar-ga medida, os empreendedores da terceira vaga.” E, agora mais recentemente, no nosso país, em entrevista, defendia que a escola tal como a conhecemos tem os seus dias contados, persistindo na formação de empregados fabris, quando, em boa verdade, os jovens quando saírem do sistema de ensino, não poderão já “caçar bisontes” nas fábricas desactivadas. Como dizia aquele pensador, mais valia que a escola investisse no ensino das questões relacionadas com a publicidade, decifrando os códigos, símbolos, signos e sinais aí presentes.
Coincide esta visão, em grande parte, como sabemos, com aquela outra defendida por Rudolf Arnheim quando nos adverte para a importância de ajudarmos as nossas crianças e os nossos jovens a lidarem com o mundo de imagens em que vivemos. Porquanto, contrariamente ao defendido pelos adeptos de Descartes, a percepção é uma operação mental fundamental no processo cognitivo, produtora de conhecimento, pela experiência do mundo.
Deste modo, não seria elementar investir na educação para a “caça de bisontes”?
Dado que se pretende reequilibrar o deficit público, designadamente, através de um refinado sistema de avaliação da função pública, em geral, e dos docentes, em particular, reorganizando patamares de progressão, não faria, também sentido implementar um sistema educativo mais próximo da realidade?
Outorgando a óbvia autonomia às escolas e trabalhando, por isso, num plano mais restrito, é nossa convicção, que seria possível chegar a um estado da “experiência óptima” no processo ensino/aprendizagem próximo do preconizado por Csikszentmihalyi.
E, assim, tendo a coragem de aliviar a carga burocrática através da recolocação, despedimento ou reforma de técnicos superiores desnecessários em secretarias supérfluas, em departamentos dispensáveis, em secções escusadas, ou gabinetes inúteis, não seria, definitivamente, possível reequilibrar as contas públicas? Tornar mais feliz a máquina economicista? E, sobretudo, formar cidadãos mais responsáveis, mais criativos, mais críticos, mais empenhados em construir uma sociedade mais justa e feliz?
Terei semeado a “Dúvida”, a tal plantita rasteira?

1 comentário:

ppenha disse...

Olhem, olhem... o nosso bardo voltou :)
Já tinha saudades de ler os textos, sempre tão mordazes e certeiros!

Bjs